Shine

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Meu pensamento é grave e pesado.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

O Espírito Absoluto

  




     O fundamento do sistema ou visão do mundo de Hegel é a noção de liberdade concebida como a rara situação em que se vive com autoconsciência e a história pode ser vista como um progresso em direção à liberdade. Tal progresso é uma condição exigida por uma teoria do conhecimento adequada. A partir da reação kantiana ao ceticismo, ele descreve o desenvolvimento de todas as formas possíveis de consciência, até se tornar possível a consciência[1] não apenas dos fenômenos, mas da realidade em si, identificada quer com o conhecimento do absoluto quer com o momento em que o espírito atinge o conhecimento de si. A emergência do “espírito” individual, que contrasta com a pluralidade de uma multiplicidade de espíritos, é justificada pela natureza social da autoconsciência. Ele pensava a idéia de que os acontecimentos reais podem conter contradições e, de algum modo, portanto, tornar as contradições verdadeiras.


    A proposta de Hegel era enfrentar as dificuldades de um problema epistemológico derivado de Kant que se concebemos, a cognição como um instrumento que aplicamos ao objeto, ou então como um meio pelo qual a luz do objeto nos é transmitida não podemos ter certeza de que o objeto não está distorcido pela cognição e de que o acesso ao Absoluto[2] não está para sempre vedado a nós. Hegel vai examinar não diretamente os objetos, mas as formas de nossa consciência dos objetos, uma vez que não podemos, coerentemente, supor que nosso conhecimento da forma da nossa consciência esteja distorcido do mesmo modo que pode estar nosso conhecimento dos objetos.


     Segundo Hegel, somente deste modo, acompanhamos o surgimento do conhecimento na medida em que uma forma de consciência se desenvolve em outra. Se em Kant temos a certeza sensível, ela passa a ser em Hegel a nossa percepção que trata as coisas como portadoras de propriedades universais. A percepção abre caminhos ao entendimento e enxerga qualidades aparentes das coisas como manifestação de forças internas e leis que as regem. O objetivo da Introdução da Fenomenologia do Espírito é quebrar todos os pressupostos filosóficos numa crítica de toda linguagem, da visão entre sujeito e objeto, apresentar os falsos valores, descrever cada momento da consciência e todo o percurso de cada figura a partir de dois pontos de vista: o da consciência natural e o do filósofo. Essa apresentação em linhas gerais do sistema de Hegel nos levará aos processos da consciência[3] e às negações dela.


     Do ponto de vista do filósofo, a negação do saber aparente é determinada e será sempre um resultado. Ele consegue ver um encadeamento científico e necessário dos falsos saberes ao longo do processo. O filósofo engendra um novo saber por uma necessidade de meta da experiência que é o Saber Absoluto.


     Para Hegel, devemos encarar a aparência como indício da verdade. Quando a ciência diz que só ela é verdadeira, ela nega o saber aparente e este também indica a mesma coisa. O saber aparente diz ser alguma coisa, pois afirma o seu Ser[4] e diz que o Nada é a ciência. Se a ciência, o Ser, não englobar a aparência, o não-ser, não poderia englobar o Absoluto, onde tudo está presente. Logo, Ser, só é total na medida em que engloba o não-ser. Na negação determinada, o resultado é conteúdo. Se na consciência natural temos um certo saber do objeto que é um saber determinado, a consciência natural se auto-nega gerando uma consciência-de-si[5] que também se nega e que o seu saber é para um outro como para a consciência natural. Essa negação da consciência natural resulta numa negação Pura e este é o caminho do desespero e o desespero é o caminho do processo.


     Quando tematizo a consciência natural de um determinado momento, uma negação, a minha consciência já é maior do que eu estou negando. Eu comparo o saber limitado com a consciência do saber (Em-si) e por isso o padrão de medida é interno da consciência. Tematizando um saber falso, a minha autoconsciência[6] é mais que a consciência natural. Ela que vem primeiro, depois, tenho a negação e mais adiante a consciência de si num movimento que Hegel chama de Dialético. A negação cria o que num determinado momento já foi posto como uma própria negação. Se concebo essa negação, encontro o Todo, ou seja, a negação engendra um novo conteúdo na consciência.


     No §81, Hegel descreve para um melhor entendimento o método de desenvolvimento ou execução, que é o exame do conhecer que só se efetua com base no padrão de medida. Esse exame consiste em aplicara ao que é examinado um padrão aceito para decidir sobre se a coisa está correta ou incorreta. É a própria ciência ou a própria verdade que efetiva o padrão de medida. É uma pressuposição de Hegel numa apresentação hipotética a fim de tomar como necessário um padrão dado. A contradição a esse método constitui a fenomenologia como exposição do saber aparente (não é ainda ciência efetiva) não poderia realizar o exame do conhecer.

     Para dissolver a contradição, Hegel vai retomar determinações do saber e da verdade tais como são dados na consciência. Vejamos: 1) a consciência se distingue do objeto, mas se relaciona com ele – para si – para a consciência. Esse momento é chamado de Apetite do Saber, que é o saber da consciência, o ser para um outro (sein); 2) o objeto em si (ser-em-si) não está em relação com o saber (Dasein). Esse é o aspecto da verdade.


     O saber da consciência natural é um falso saber, o padrão de medida está em seu interior. Na consciência natural, temos três pontos que precisam ser considerados. O 1º ponto é uma convenção, é aquilo que é tido como certo, é o Primeiro saber. No 2º ponto, acontece a descoberta que também é um falso saber e por fim no 3º ponto, temos a negação, uma significação que é negativa.


     Para Hegel, o que importa para a Fenomenologia é o próprio movimento. Não preciso identificar onde está a verdade. Ela será encontrada ao longo da experiência, quando abandono os pressupostos, eu fico livre para observar o próprio movimento da consciência.


     Na consciência natural, temos a consciência refletida que é a consciência do objeto em si. Esse objeto é um saber para ela, mas a consciência ainda não sabe disso. É a medida que está no interior da própria consciência de si mesma que mostra o saber como aparente. Esse saber aparente não é consciência do objeto, mas ele nega a consciência natural sem saber da verdade. É a autoconsciência que julgará se o saber da consciência natural é verdadeiro ou não. Quem diz se o saber para ela corresponde ao objeto é a própria consciência. A autoconsciência faz a prova que a consciência natural é um saber para ela e ela nega esse saber como falso. A consciência tentará compreender do objeto em si que será dado nela, comparando o saber para ela com o objeto em si, numa tentativa de adequar o saber do objeto a ela.


     Quanto a uma determinação no percurso desse processo de negação, Hegel insiste na doutrina dialética, segundo ele, “a própria natureza do pensamento”. A dialética ocorre por desenvolvimento interno e autônomo do conceito, e não por acréscimos. Na consciência natural, temos o conhecimento imediato do objeto Em-si, que é o Ser-em-si, o aspecto da verdade. Porém, a consciência ver que esse objeto não é Em-si, mas Para ela; quando o objeto é para a consciência, ele é o aspecto do saber. A consciência compara o que é para ela e o objeto e percebe uma ausência de correspondência entre os dois momentos da consciência. Ela perde o objeto, há uma negação completa e em seguida a consciência experimenta uma negação pura do objeto.


     Nessa suspensão do objeto, outro aparece, mas não vejo de onde ele está surgindo. O movimento que o filósofo vê (o Para-nós), chama-se Movimento Dialético, que é a própria Experiência. O filósofo vê o objeto primeiramente como Em-si, que é o aspecto da verdade. O Saber do Objeto, ser para a consciência desse Em-si, já é um novo objeto. Tenho aí , um novo momento da verdade que é o meu próprio saber.


     Esse outro objeto, na transição, é o resultado do 1º objeto negado porém, a consciência não vê vínculo entre um e outro. O 1º objeto se torna então o 2º objeto. A negação do 1º objeto é uma aparência da consciência. O 2º objeto surge da relação da consciência com o 1º objeto e vai ser produzido no interior da própria consciência que vai examinar agora o próprio saber. Só o filósofo que a tudo observa tem consciência que tudo se encadeia e nos leva a uma figura posterior, de que o conteúdo do objeto é produzido no interior da consciência e de que só tenho consciência do momento histórico no outro momento posterior. A consciência que está no processo de experimentação do 1º objeto não tem consciência do movimento dialético presente nela mesma.


     A consciência natural mesmo sendo enganosa e considerando verdadeiro aquilo que de imediato aparece e logo depois de uma investigação desse saber, perceber que é falso, mas esse perceber também já é um novo saber, é o ponto de partida de Hegel para o conhecimento pleno das coisas. O movimento da razão - o perceber, refletir, negar, destruir, construir e assim sucessivamente, leva-nos de um modo gradativo a experienciar todas as figuras do conhecer, uma englobando a anterior; nossa razão se ampliando na percepção e no saber e comparando com a realidade até chegarmos ao domínio da razão, para conhecer a totalidade do mundo, é o Movimento Dialético, a própria experiência da consciência rumo ao Absoluto.



[1] A noção de consciência para Hegel implica a relação da consciência com um objeto que, pelo menos à primeira vista, não é consciência, mas alguma coisa; e que a noção de conceito ou de espírito (autoconsciência) elimina essa alteridade.
[2] São ao mesmo tempo, objeto e sujeito da filosofia e, embora definido de várias formas, permanece caracterizado pela sua infinidade positiva no sentido de estar além da realidade finita e de compreender em si toda a realidade finita. Hegel chama de Espírito Absoluto os graus últimos da realidade, aqueles em que ela se revela a si mesma como Princípio autoconsciente infinito na religião, na arte e na filosofia.
[3] Dá-nos as mediações entre sujeito e objeto
[4] Não há mais o conceito de Ser como pura abstração como acontece na Lógica. Para Hegel, o ser transforma-se no nada e isso é representação. O ser existe na realidade porque ele mesmo é real.
[5] É o momento em que a própria consciência vai além do seu limite e, portanto engloba o singular numa “perspectiva” mais ampla. Se eu separo o meu conhecimento da verdade, ele será sempre externo ao meu conhecimento e, portanto, ele será falso. O saber do objeto será interno á consciência do objeto; atinge a verdade do objeto no interior da minha consciência.
[6] Autoconsciência para Hegel é um Princípio absoluto que, autocriando-se, cria a própria realidade em sua totalidade. O que ele entende por espírito ou conceito é uma autoconsciência infinita desse tipo.

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